Maria dos Cachorros
Pisando torto, de pé no chão, ela caminhava claudicante e cingida de trapos. Seu olhar era de louca. Riso frouxo, banguela e sem propósito.
Vivia cercada de cães vira-latas de todas as cores e tamanhos, que tinham verdadeira adoração por ela. Eram seus protetores quando a molecada das escolas se reunia a sua volta, gritando zombarias e atirando-lhe pedrinhas: "Êh, maria dos Cachorros! Êh, Maria Maluca!" Furiosa, a cachorrada partia no encalço dos moleques, que fugiam, deixando-a em paz por algum tempo.
Tornara-se personagem conhecida em Petrópolis. Costumava esmolar pelas ruas, sempre com o olhar perdido e o sorriso sem dentes e aberto, mesmo quando não lhe davam nada. Gostava de dançar em praça pública, ao som de uma música que só tocava em sua imaginação. Acho que era feliz.
Sua fala era arrastada, difícil de entender. Ela mancava completamente, não só no andar, mas no raciocínio, na fala, na vida. E sem ajuda de ninguém, com todas as suas limitações físicas e mentais, catava papelão para sobreviver. Sempre cercada por seus fiéis companheiros caninos. A gente ogo sabia quando a Maria dos Cachorros vinha chegando, mesmo antes de vê-la, porque se ouvia os latidos da matilha ao longe.
Acho que os loucos não sentem frio, pois muitas vezes passei por ela em noites de inverno e ela estava sem agasalho, descalça, rodopiando sua dança, sorrindo, o vento cantando entre os trapos que a vestiam. Bem, dizem mesmo que Deus dá o frio conforme o agasalho...
Um dia, o jornal da cidade resolveu entrevistá-la. Saiu uma reportagem bem grande, fotografia, chamada na primeira página. Ela dizia ter uma filha que era muito rica, mas que não queria saber dela. Não sei se essa filha realmente existia ou se era parte de seus devaneios. Isso foi há muitos anos atrás, e não me lembro do que mais estava escrito na reportagem. Mas todo mundo comentava, no dia seguinte, a estória de Maria dos cachorros.
Às vezes ela sumia, diziam que estava em um asilo para loucos. Eu ficava tentando imaginar o que os cachorros dela faziam enquanto ela estava 'fora', mas por incrível que pareça, quando ela reaparecia na cidade, eles estavam com ela. Será que ficavam na porta do hospício, esperando ela sair?
Ela sumiu e não apareceu mais. Alguns dizem que ela morreu. Posso imaginar a cena: Maria dos Cachorros sendo guardada em sua tumba pelos seus fiéis cachorros, que uivam para ela em noites de lua.
Muito lindo esse conto e também imagino o final dela assim...beijos,chica
ResponderExcluir"Maria dos Cachorros" me levou a "Maria", que um dia me veio ao coração. Que bonito, Ana!
ResponderExcluirNos anos sessenta, conheci uma Maria dos Cachorros que morava no Pic-Nic e dizia ser descendente da Família Imperial. Contava histórias incríveis e tinha um álbum com fotos impressionantes da época. O conto está uma beleza, visto que é baseado em fatos verídicos.
ResponderExcluirSou de Limeira ,sp,e nos anos 60 e 70 existia aqui,uma Maria dos Cachorros tambem,uma historia bem parecida com essa
ResponderExcluiradoro animais tambem,e gostei de tudo que li,e vi nessa revista...obrigado
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