terça-feira, 11 de junho de 2013

ACEITAÇÃO - PARTE VI




ACEITAÇÃO - PARTE VI


Dois dias se passaram. Tentei retomar minha rotina, mas eu não conseguia ter paz de espírito. Ao final do segundo dia, disse à Rose, minha funcionária, que não iria à loja no dia seguinte, e deixei alguns trabalhos e pagamentos para ela fazer. Quando eu já ia saindo da loja, Rose chamou-me:

-Débora, preciso falar com você.

-A gente conversa amanhã, Rose. Não me sinto muito bem.

-Débora, preciso falar agora, que criei coragem... eu já estava pensando em fazer isso mesmo antes de tudo acontecer... antes da morte de Tércio. Mas achei que o momento não era adequado.

Voltei até o balcão, onde ela estava.
-Fazer o que, Rose?
-É que eu vou sair da loja. Minha família está de mudança, para outra cidade... vou embora na semana que vem. Só estava esperando uma oportunidade para contar a você.

Meu mundo caiu; além de tudo, agora ficaria sem Rose, que já estava comigo há seis anos! Uma moça gentil, competente, bonita e prestativa. Onde eu arranjaria alguém como ela? Nada pude fazer, a não ser desejar-lhe muito boa sorte, e abraçá-la. Ela me tranquilizou, dizendo que ainda ficaria até o final da semana. Mas eu sabia que não conseguiria arranjar ninguém até lá.

No dia seguinte, fui à casa de minhas amigas logo de manhã, antes que elas saíssem para o trabalho, e tomamos café da manhã juntas. Contei-lhes tudo - sobre Rosane, sobre minha funcionária que pedira demissão. Como sempre, enquanto me ouviam atentamente e em silêncio, elas se entreolhavam o tempo todo. Quando terminei, minha amiga Gertrudes disse:

-Ora... você tem um problemão... e ao mesmo tempo, uma solução instantânea!
-Como assim?
-Você precisa de uma nova funcionária, e Verônica, de um emprego...
-Ora, ela é menor de idade ainda. 
-Mas pode ajudá-la, se a mãe assinar uma autorização para que ela trabalhe.
-Não! Fora de cogitação.

Tomei um gole do café, enquanto olhava a chuva que começava a cair lá fora.

Zilá, ainda terminando de mastigar um croissant, acrescentou:

-Querida, pense melhor. Você não deveria agir desta forma com Verônica.
-Agir de que forma? Até parece que eu sou o pai dela... será que ninguém me entende, não enxergam o meu lado nessa história toda? Eu não sou pai nem mãe desta menina. Não tive filhos porque não quis. E agora todo mundo acha que eu tenho que adotar esta perfeita estranha, como se fosse responsável por ela?

As duas se entreolharam novamente, e Zilá continuou:

-Olha... você sempre age assim, Débora. Ninguém é mais importante do que você, ninguém está certo quando você acha que tem 'seus motivos.' Está na hora de amadurecer, amiga. Veja o lado das outras pessoas. Coloque-se no lugar de Rosane, ela não tem muito tempo de vida, e está preocupada com a filha. 

Gertrudes colocou uma mão sob meu queixo, obrigando-me  a olhá-la nos olhos,  perguntando:

-Débora... e se fosse Tércio, o que ele faria em uma situação assim?

Tentei imaginar a reação dele. Tércio era ético demais em todas as situações. Com toda certeza, ele assumiria a filha, quer eu gostasse, quer não. Ele daria a ela o seu nome, e faria dela sua herdeira. Aquilo me exasperava, pois eu sabia que era o certo a ser feito, mas eu simplesmente não tinha forças para fazê-lo. Olhei para minhas amigas, desanimada:

-Eu... eu sei, vocês estão certas. Me ajudem, não sei o que fazer. É muito difícil para mim.

Comecei a chorar. Elas me abraçaram, e me consolaram. Voltei para casa a fim de pensar melhor. Assim que cheguei à porta, ouvi o telefone tocando dentro de casa. Entrei, e atendi; era Verônica, e estava desesperada:

-Me ajude, por favor, Débora! É mamãe...

Não consegui pensar em nada; agarrei minha bolsa e fui para a casa dela.

Chegando lá, Verônica abriu a porta antes mesmo que eu batesse.

-O que aconteceu, Verônica?
-Ela... desmaiou, ela...
-Você chamou a ambulância?
-Sim, estão a caminho. Desculpe incomodá-la, mas eu não sabia a quem mais chamar.

Encaminhei-me para o quarto, e encostando um dedo no pescoço de Rosane, vi que ela respirava fracamente. Mas estava viva. Aquela mulher tão frágil despertou minha solidariedade, e esqueci-me completamente de quem ela era e o que representava para mim. Quando cheguei à sala, Verônica estava abrindo a porta para os paramédicos. Conduzi-os ao quarto, e eles colocaram Verônica na maca, carregando-a para a ambulância. Acharam melhor que Verônica não acompanhasse a mãe. Ela chorava compulsivamente, estava muito nervosa. Fui até a cozinha e trouxe-lhe um pouco de água com açúcar. 
Ela bebeu tudo. Pareceu acalmar-se.

-Desculpe-me...
-Está tudo bem. Olha, eu a levo até o hospital em meu carro. Vai ficar tudo bem...

Ela enxugou o rosto com as costas das mãos.

-Às vezes eu penso que não vou aguentar cuidar dela...  aliás, não consigo fazer tudo o que é necessário... eu vivo me esquecendo dos remédios, é ela quem me lembra, quando pode. Não consigo ficar junto dela o tempo todo, porque me dói muito vê-la nesta situação. Ela fica muito só... eu deveria ficar ao lado dela, mas não posso!

Ela chorou novamente. Desajeitadamente, passei os braços em volta dela.

-Você está fazendo o melhor que pode, Verônica. Sei o quanto deve ser difícil para você, mas eu vou ajudá-la.

A última parte daquela frase escorregou de minha boca, e só depois que eu a disse, percebi o que tinha dito. Ela me olhou nos olhos, e o que vi, foi alívio e gratidão. Estendi-lhe um pedaço de papel-toalha, e ela limpou o rosto.

-Vamos até o hospital?

Ela acenou com a cabeça, concordando. Durante o trajeto, eu pude finalmente colocar-me no lugar daquela garota e sua mãe, e tentar entender o que estava acontecendo a elas. Era terrível! Eu precisava deixar de me omitir, precisava fazer alguma coisa para ajudá-las.

Quando chegamos ao hospital, Rosane já estava no quarto, e acordada. Verônica foi até ela, abraçando-a com cuidado. Quando me viu, os olhos dela brilharam, e ela murmurou:

-Obrigada!

Saí do quarto, e fui chorar lá fora. 

Após dois dias, Rosane pode deixar o hospital. Os médicos mudaram sua medicação, e me disseram que ela ainda poderia viver mais um ou dois meses, se seguisse o tratamento, e que a qualidade de vida poderia ser relativamente boa. Quando a puseram na ambulância, eu chamei o motorista e dei a ele o endereço de minha casa. Não vi que Verônica ouvia a nossa conversa. Quando olhei para trás e a vi, ela correu em minha direção e me abraçou.


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