domingo, 10 de fevereiro de 2013

No Escuro da Floresta - Capítulo I







Capítulo I

A infância é sempre a fase mais marcante da vida de alguém, mesmo que não consigamos nos lembrar de todos os fatos depois de crescermos. Às vezes, justamente os fatos dos quais não nos lembramos ( mas que estão adormecidos em nosso subconsciente) são os mais importantes, aqueles que realmente contribuiram para que sejamos o que somos hoje. Muitas vezes eles vêm à tona do nada, despertados por algum cheiro que sentimos ao passar por uma padaria, ou através de uma imagem – como uma propaganda num outdoor – ou uma velha canção. Bem, o fato é que as crianças nunca esquecem. Nem mesmo quando elas não conseguem se lembrar.
A primeira vez que vi Matilde, eu tinha apenas nove anos de idade. Meus pais tinham comprado uma casa de campo em Vila Pequena, uma cidadezinha rural linda e pitoresca, e era a primeira vez que iríamos passar a noite na nossa nova casa – eu, Maria, minha irmã mais velha, papai e mamãe. Bem, digo nova casa por força de expressão. De fato, a casa de campo que meu pai comprara de presente de casamento para minha mãe estava um pouco dilapidada. Tratava-se de um chalé de dois quartos, cujas paredes forradas de madeira precisavam ter algumas ripas trocadas, o teto precisava de pintura e alguns tijolos faltavam na moldura da lareira. Mas mesmo assim, ela parecia encantada.
Papai e mamãe gostavam de sair de carro nos finais de semana sem um destino certo, e foi assim que descobrimos – numa manhã nublada de sábado, um ano e meio antes – Vila Pequena e seus encantos. Passamos o restante do sábado e o domingo por lá, fazendo compras nas lojinhas de artesanato ou passeando pela floresta, guiados por nossos instintos. A cada momento, um de nós tinha o direito de apontar a direção na qual os outros teriam de seguir pelos próximos quinze minutos. Assim, ficamos conhecendo lindos laguinhos, uma cachoeira, uma cabana pitoresca toda construída com toras de madeira ( cuja estória contarei mais tarde) e ruazinhas de paralelepípedos entremeados de musgo aveludado. Não nos perdemos porque o lugar era muito bem sinalizado, pois recebia muitos turistas durante a temporada de inverno. Como nós, eles enxameavam pelas pousadas locais, ávidos pelo contato com a natureza e também pelas estórias contadas ao pé da lareira pelos donos das pousadas ou por outros simpáticos moradores.
Ao final do dia, estávamos cansados e literalmente encantados. Durante a viagem de volta, mamãe expressou sua vontade de possuir uma casinha num local assim. Todos concordamos com ela que seria maravilhoso.
Confesso que chegar ao nosso apartamento na cidade, após um fim de semana num lugar como Vila Pequena, foi um tanto frustrante.
Mas os deuses ouviram nossas preces, e finalmente papai conseguiu juntar dinheiro suficiente para comprar nossa casinha de campo. Isso aconteceu um ano e meio depois de nossa primeira visita á Vila Pequena.
Nossa nova casa era a única  de uma estreita rua  sem-saída de paralelos, logo depois da Curva do Pinheiro. Nós a chamávamos assim, pois havia um grande pinheiro na curva, cujo tronco era tão grosso, forrado de musgo verde, que encobria quase metade da visão que se tinha da casa, da estrada.
Quando chegamos no chalé pela primeira vez, ele estava magicamente envolto pela névoa da manhã. Ao abrirmos a porta, um cheiro de bolor nos deu as boas vindas. O assoalho de madeira estava quase todo coberto por uma fina camada de mofo esverdeado, parecido com pelo, e Maria começou a espirrar imediatamente. Mamãe nem deixou que entrássemos, pois a bronquite de Maria atacava firme quando ela se expunha a qualquer tipo de mofo, e mandou que papai nos levasse de carro até a cidade para comprar comida enquanto ela passava o aspirador de pó e arejava tudo. Protestei, pois desejava explorar a casa, mas mamãe já nos enxotava para fora, excitada para começar a faxina, e enquanto eu e Maria entrávamos no carro, ela e papai se beijaram na porta.
Achamos uma feirinha de alimentos junto à praça da cidade. As pessoas nos olhavam e sorriam, cumprimentando-nos timidamente, e tive a impressão de que sabiam quem éramos. Afinal, qualquer coisa que acontece numa cidade pequena logo vira notícia, e a venda da casa da velha Cecília, que se mudara para a casa da filha, pois não podia mais ficar sozinha em casa devido à idade avançada, já não era mais novidade para ninguém. Mas nós éramos a novidade.

Continua...

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