domingo, 10 de fevereiro de 2013

No Escuro da Floresta - capítulo IX





Capítulo IX

Fui para a escola. Pensava  nas emoções totalmente novas que sacudiam meu peito. Eu estava prometida, como nos contos de fadas, a um príncipe maravilhoso. Ele viria me buscar daqui a onze anos e iríamos juntos para o seu castelo encantado.
Fui caminhando para a escola quase em transe. Nem prestei atenção à aula, e tudo  o que aconteceu na escola naquela manhã tornou-se muito vago em minha cabeça. Lembro-me de Julia – a professora – olhando-me por sobre seus óculos de aros prateados, vejo sua boca se mexendo para dizer alguma coisa, sinto que eu a respondo, e de repente as outras crianças começam a rir.
Aquela manhã resultou em um bilhete para que minha mãe comparecesse à escola no dia seguinte. E, com medo de que eu esquecesse de entregá-lo, Julia deu-o à Maria. Pedi-lhe que me deixasse ler o bilhete, mas ela recusou-se.
No dia seguinte, quando voltei da escola, logo após o almoço, mamãe me chamou para uma conversa. Papai tinha ido almoçar em casa, e pediu que Narciso fosse abrir a marcenaria, dizendo que ele logo iria.
Queriam saber o que estava acontecendo comigo. Fingi que não estava entendendo nada, mas mamãe, de delicada passou a autoritária, quando neguei-me a dizer onde tinha ido na manhã do dia anterior e por que chegara atrasada à escola. Papai tentou acalmá-la, mas ela andava de um lado para o outro, repetindo: “ Não sei se foi uma boa ideia termos vindo morar aqui, afinal. Acho que devemos voltar para a cidade.” Ao ouvir isto pela terceira vez, antes que papai concordasse – o que ele estava prestes a fazer – gritei: “está bem! Eu conto.”
Expliquei-lhes que tinha ido à casa de Carla, e disse-lhes exatamente o que tinha ido fazer por lá. Contei também que ela estava planejando ir embora com Matilde. Contei sobre meu “passeio” na floresta, o que quase levou mamãe à histeria, mas papai a conteve antes que ela me pegasse de vez. Perguntou-me o que eu tinha ido fazer na floresta.
- Fui ver Narciso. Queria que ele me ajudasse a impedi-las.
Eles se entreolharam.
- E o que foi que ele disse?
- Que não pode. Que não devemos interferir nos assuntos dos outros. E que ele vai embora também. Junto com elas. E depois, ele me mandou ir para a escola.
- Pelo menos uma coisa sensata – disse mamãe.
- Lina, acho estranho que Narciso não tenha mencionado a visita de Noêmia.
- Ele nunca se mete na vida dos outros. -retruquei.
Papai ignorou o que eu disse e perguntou-me se ele tinha dito mais alguma coisa. Senti-me corar, e baixei os olhos. Mamãe ordenou-me que respondesse.
- Bem, ele disse que vai esperar eu crescer...
Ao dizer isso, percebi que poderia ter dito algo errado. Preocupado,papai perguntou-me se ele tinha “tocado” em mim. Queriam saber se alguma vez ele tinha me acariciado ou feito alguma coisa estranha comigo. Imediatamente, lembrei-me de seus dedos percorrendo a pele de meu rosto levemente, e dos arrepios e sensações desconhecidas que aquilo me provocara.
    Respondi que não. Não entendi por que estavam perguntando aquilo, afinal que coisa estranha        eles esperavam que ele pudesse ter feito comigo?Os dois se entreolharam e mandaram que eu fosse para meu quarto.
      Eu obedeci prontamente.
    Eu estava angustiada, sem saber por quê. Achava que tinha dito algo que não deveria, embora tivesse contado toda a verdade. Maria percebeu minha angústia, e contei-lhe tudo. Ela ouviu atentamente, fez algumas perguntas. Não me contradisse nem alegou que Matilde e Carla eram loucas e que estavam tentando me levar à loucura também, como mamãe tinha feito na sala, segundos antes de eu entrar no quarto. Ela apenas murmurara, e nem percebeu que eu tinha ouvido.
Maria tentou acalmar-me. Colocou um filme para assistirmos, fechou as cortinas e logo adormeci.
Na manhã seguinte acordei muito febril, e não fui à escola. Minha garganta doía e eu mal conseguia engolir. Fiquei o dia todo na cama, e mamãe fez uma sôpa para que eu conseguisse comer. Recebi a visita do médico, que receitou umas pastilhas para garganta e repouso absoluto. Também  fui visitada por Carla , que estava debruçada sobre minha cama quando acordei, no meio da tarde. Mamãe estava de pé atrás dela, e Matilde ao seu lado.
Matilde  disse:
-         Olá, Noêmia. Está melhor?
Balancei a cabeça, dizendo que não. A garganta e a cabeça doíam, e eu sentia muito frio. Mamãe deu-me uma das pastilhas, verificou minha temperatura e deu-me algumas gotas para baixar a febre. Ela e Carla pareciam um pouco brigadas. Mamãe pegou Matilde pela mão e levou-a para a cozinha, dizendo que ia ensiná-la a fazer biscoitos. Carla permaneceu no quarto comigo. Parecia perturbada.
- Eu... queria dizer uma coisa para você, Noêmia.
Fiquei esperando que ela continuasse. Ela respirou fundo, como se o que fosse me contar causasse-lhe um grande esfôrço.
- Sabe, aquela estória sobre Matilde ser filha de ... você sabe... é tudo mentira. Eu inventei esta estória para ela, para que ela acreditasse que tem um pai, alguém que se importa com ela, eu queria que ela se sentisse especial.
Minha cabeça latejou mais forte, e fechei os olhos. De repente, não sabia mais quem eram Matilde e Carla. Não sabia mais o que era verdade e o que era mentira, e nem sabia o que eram aquelas luzes na floresta. Mas papai dissera pensar ter visto rostos no meio das luzes. E todos acreditaram, quando Narciso voltou ainda jovem após trinta anos de desaparecimento, que ele estivera entre as fadas. E Narciso confirmara a estória toda. Dissera que iria embora com Carla e Matilde. Dissera que voltaria para Fryeda. E  a Velha Anna... ninguém a contestara.
Com um esforço, murmurei, a voz rouca: “ você está mentindo agora.”
Carla moveu os lábios para falar, mas voltei-me de costas para ela, virando o rosto para a parede. Ela saiu do quarto.
Lágrimas quentes rolavam pelo meu rosto. Eu nunca me sentira tão mal, tanto física quanto emocionalmente. Fui acometida por um acesso de tosse. Lembro-me de mamãe entrando no quarto, me levantando, pondo-me sentada na cama. Eu sufocava, e as coisas no quarto iam ficando envolvidas por uma neblina que aparecera de repente. Senti que flutuava para o teto, e de lá eu podia ver mamãe, Carla, Matilde e Maria, desesperadas, tentando fazer com que eu acordasse. Mas meu corpo parecia uma coisa mole e pálida, sem vida. Depois, veio a escuridão. Um longo apito.
Vagamente, lembro-me de sonhos que tive. Delírios da febre, talvez. Eu me via deitada sobre a relva, junto ao lago próximo à casa de Narciso. Ele impunha suas mãos sobre meu corpo, e delas emanava uma estranha luz, cujas cores variavam entre o branco, azul-claro, lilás, verde e novamente, branco-brilhante. Ele parecia despender um enorme esforço para liberar aquelas luzes. Eu abria e fechava os olhos. Às vezes, minha visão tornava-se embaciada.
Senti que ele derramava água do lago sobre minha testa. Eu tinha os olhos fechados. Ele tocou meus olhos com suas mãos, e naquele momento, eu os abri, assustada, porque não senti a mesma suavidade e maciez de quando ele havia tocado meu rosto. As mãos que me tocaram agora, eram mãos de uma pessoa velha. Eram ásperas. Ergui minha mão para tocá-las, e pude sentir as rugas e veias saltadas , típicas das mãos de pessoas idosas.
Por entre minhas pálpebras semi-cerradas, vislumbrei um rosto envelhecido. Adormeci profundamente.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...