domingo, 10 de fevereiro de 2013

No Escuro da Floresta - Capítulo IV






Capítulo IV

Eu sabia que algo muito grave estava para acontecer, e não tinha muita certeza sobre qual deveria ser minha posição ou a posição de minha irmã mais velha naquilo tudo. Eu deveria fingir que não sabia de nada, ou deveria contar tudo à Maria? E quanto à Matilde? Seria melhor não vê-la mais? Mas... e se tudo aquilo não passasse de uma mentira?
Comecei a sentir uma forte dor-de-cabeça , e deitei-me na cama. Adormeci no meio da tarde, o que jamais acontecia.
Despertei na hora do jantar. Maria estava sentada em sua cama, lendo uma revista.Parecia não saber de nada, e resolvi ficar quieta.
Durante o jantar, tudo parecia normal, apesar de mamãe estar um tanto silenciosa. Mas papai estava entusiasmado, e não parava de falar nas reformas da casa, nos encontros que tinha com as pessoas quando ia à cidade, sobre o que conversavam, os animais que tinha visto na estrada. Mas ele nem sequer tocava no nome de Carla, e mamãe fez o mesmo. Não perguntou se ele havia estado com ela. Apenas alegou estar se sentindo um pouco cansada, e foi para a cama cedo. Papai e nós resolvemos assistir um filme na TV, e ficamos na sala por mais algum tempo.
Na manhã seguinte, acordei com as marteladas de papai. Mas não ouvi a habitual cantoria de mamãe na cozinha. Mais uma vez, ponderei sobre se deveria contar À Maria o que sabia ou não. Finalmente, fui até sua cama e despertei-a. Contei-lhe com detalhes tudo o que tinha conseguido ouvir, e ela escutou atentamente. Parecia perplexa, e quando terminei, fiquei aguardando sua decisão sobre o que deveríamos fazer, mas ela ficava olhando para o nada, tão desorientada quanto eu. Depois de alguns minutos, disse-me que não acharia uma boa idéia que eu fosse à casa de Matilde naquele dia, e que achava melhor não sair também. Ao mesmo tempo, decidimos que seria mais sensato continuarmos fingindo que não sabíamos de nada.
Na mesa do café, havia três mulheres caladas e um homem intrigado. Papai perguntava a toda hora que bicho tinha nos mordido, mas eu e Maria encolhemos os ombros e sorrimos, enquanto mamãe respondeu, secamente, que não sabia do que ele estava falando. Mas , pelo olhar que ela nos dirigiu, percebi que ela sabia que eu havia escutado a conversa do dia anterior e relatado tudo à Maria. Mas ela nada disse àquele respeito.
A manhã correu rapidamente, com papai terminando os últimos reparos no telhado da casa e mamãe na cozinha, preparando o almoço. Eu e Maria ficamos no quarto, fingindo que estávamos lendo, mas muito atentas a tudo o que acontecia.
Após o almoço, papai levantou-se para sair como de hábito, dizendo que ia dar uma volta na cidade e aproveitaria para devolver um galão de tinta que tinha sobrado. Mamãe acenou-lhe com a cabeça, e eu e Maria nos entreolhamos. Logo depois que ele saiu, mamãe nos chamou na sala e ordenou que ficássemos em casa assistindo TV, pois ela precisava sair. Pela primeira vez em muito tempo, não contestamos uma ordem dela.
Maria ficou olhando pela janela enquanto ela se afastava. Depois, disse-me para ficar em casa pois ela iria seguir nossos pais para saber o que estava acontecendo. Fiz menção de chorar, se ela não me levasse junto. Ela insistiu, dizendo que eu não deveria ir, mas comecei a chorar de verdade e ela achou melhor obedecer mamãe e ficar em casa comigo.
Mais tarde, ouvimos batidas na porta. Era Matilde. Ficamos paradas no alpendre, sem saber se deveríamos pedir que ela entrasse ou não. Ela estava usando um biquini sob a roupa. Viera nos convidar para irmos nadar no rio. Só então reparei o quanto o dia estava lindo e ensolarado, o primeiro dia realmente ensolarado desde que chegáramos.
Maria lhe disse que tínhamos ordens de mamãe para permanecermos em casa naquele dia, e que portanto, não poderíamos nadar com ela. Mas algo no tom de voz seco de minha irmã despertou a desconfiança de Matilde, que era uma menina muito eficaz.
- Está tudo bem com vocês?
- Tudo bem sim, -respondi. -Mas acho melhor você ir embora agora, Matilde. Depois nos falamos.
- Bem, então eu vou voltar para casa. Não tem graça nadar sozinha...
Num impulso, minha irmã escancarou a porta e puxou Matilde para dentro. Compreendi imediatamente que minha irmã estava tentando poupá-la do que quer que pudesse estar acontecendo naquele momento em sua casa. Maria disse:
- Tenho uma ideia melhor. Não podemos sair, mas você pode entrar. Vamos jogar varetas.
-Mas eu e Noêmia já jogamos varetas ontem!
-Bem, então a gente pode brincar no jardim. Que tal jogarmos bola?
E passamos uma tarde muito agradável, apenas crianças jogando bola ao sol, esquecidas de todos os nossos medos e apreensões. Esquecidas até da conversa entre mamãe e Virgínia. Nem sequer nos lembrávamos de que algo terrível poderia estar acontecendo.
Ao cair da tarde, nos sentamos nas escadas do alpendre, nos fundos da casa, para comer mangas.
O dia estava terminando quando mamãe e papai chegaram juntos em casa. Ambos estavam visivelmente abalados, mamãe tinha os olhos vermelhos e papai parecia bastante perturbado. Mas nenhum dos dois nos respondeu quando perguntamos o que tinha acontecido, e nos sentamos para jantar como todas as noites, mas desta vez, sem as conversas animadas e as brincadeiras de sempre. Depois, eu e Maria fomos para o nosso quarto e ficamos ouvindo mamãe lavar a louça na cozinha sem a habitual cantoria, e papai dando passos longos e pesados no assoalho de madeira da sala, soltando um profundo suspiro de vez em quando.
Nossos ouvidos estavam atentos, e nós estávamos concentradas em cada ruído que se fazia do outro lado da porta de nosso quarto. Por isso, ouvimos quando mamãe entrou na sala, indo para o seu quarto, e papai murmurou: “desculpe-me, Lina. Não aconteceu nada.” Mamãe pareceu hesitar por um momento, e depois entrou no quarto.

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