quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Trago a Pessoa Amada em Sete Dias!




Clarita andava pela rua como num transe pré-apocalíptico: cabelos desgrenhados, barra da camisa desleixadamente caindo para fora do cós da calça, rímel borrado, formando um círculo negro sob os olhos, dedos amarelados de nicotina - e ela nem fumava, antes daquele triste evento. É que Pablo, seu noivo de muito tempo (treze anos) a tinha deixado. Bem, dizem mesmo que o número treze dá azar... e ela seguia pelas ruas, meditando no poder daquele número fatídico, quando, ao virar a esquina, depara com um cartaz discreto colado em um poste:

"Trago a pessoa amada em sete dias. Desfaço mandingas de qualquer tipo, consigo emprego, vejo o passado e o futuro. Marcar hora com Madame Zora - tel: 2171-1313."

Clarita hesitou por um breve momento, olhando o anúncio colado ao poste. Espantou-se com a coincidência do número do telefone: 1313. O mesmo número de anos do noivado desfeito. Depois, pareceu cair em si, olhando para os lados disfarçadamente, preocupada com o ridículo de ser vista olhando tal anúncio. 

Tratou de ir andando. Mas não se esqueceu do telefone de Madame Zora - e a lembrança daquele nome místico, em volta de vários números treze, fizeram com que ela tivesse mais  uma escura noite em claro. Imaginava o rosto da vidente - alguém de longos e oleosos cabelos negros, unhas compridas pintadas de vermelho berrante, uma pinta no canto da boca, sobrancelhas grossas e arqueadas, muitas joias espalhadas pelos dedos, braços e pescoço, enfim, o retrato de uma cigana.

Tentou esquecer o assunto, mas alguns dias depois, sua amiga Vivi veio contar-lhe a novidade:

-Soube não? Pablo está para casar-se.

Sentiu o impacto da notícia em seu peito, como uma forte martelada.

-O que?! Como assim? Quando? E... e... com quem?!

-Com a secretária. Dizem que eram amantes há muito tempo. Só estou te contando porque quero o seu bem - Vivi disse, maliciosamente.

Clarita fingiu não se importar, mas quando Vivi desceu a ladeira e virou a esquina, sua fúria veio à tona: logo Janete, a secretária, aquela loura lambida (bem, não era tão lambida assim) que lhe oferecia café e revistas quando ela ia ao escritório de Pablo? Aquela fingida, que desmanchava-se em gentilezas enquanto a apunhalava pelas costas? Aquela periguete invejosa, que lhe tomava o homem sem dó nem piedade, enquanto dirigia-lhe um sorriso amarelo?

Clarita esqueceu-se de toda a culpa do ex-noivo, fazendo dele uma vítima inocente arrebatada pelas garras da loura macumbeira. Mas ela o teria de volta em até sete dias! Pegou o celular e discou o número de Madame Zora, marcando horário para aquela mesma tarde.

Arrumou-se muito bem - afinal, não queria parecer uma mulher frustrada e desesperada, e sim uma amante carinhosa e compreensiva que queria apenas salvar o noivo e resgatar seu verdadeiro amor. 

Ao chegar no local marcado - uma quitinete em Copacabana - surpreendeu-se ao ver que a porta abriu-se com um rangido assim que ela ergueu a mão para bater. Nem viu a câmera escondida na quina do batente. Ficou realmente impressionada ao entrar, e ver de pé no meio da sala decorada de roxo e preto, uma senhorinha baixinha e encurvada, com mais rugas do que sua falecida bisavó. Não era nada do que ela pensava!

Foi convidada a sentar-se. A velhinha - Madame Zora - sentou-se diante dela, pegando um maço de Tarô ensebado, acendendo um incenso nauseabundo e respirando profundamente algumas vezes, parecendo recitar uma prece estranha em alguma língua esquisita. Finalmente, depois daquele ritual, olhou para ela, perguntando:

-O que posso fazer por você, filha?

Clarita pareceu confusa, escolhendo bem as palavras a fim de causar uma boa impressão. Se a mulher fosse uma falsa vidente, não ia tirar partido de seu desespero.

-Bem, eu...
Madame Zora  interrompeu-a, semi-cerrando os olhinhos já pequenos:

-Já sei... é homem, não é?
-Como?
-Homem. Você está aqui por causa de um homem... eu o vejo... hum...

Clarita despejou-se imediatamente, esquecendo toda a sua dignidade:

-É isso mesmo! A senhora é boa, hein? 

E contou-lhe sua história triste. Falou de todas as vezes em que Pablo a havia traído , mas que nunca era nada sério, e que ele sempre voltava aos seus braços; contou-lhe também sobre uma ou duas vezes em que ele havia lhe batido- por culpa dela-, mas que pedira desculpas; contou-lhe do casamento várias vezes marcado e desmarcado, pois dias antes da data marcada, ele sempre caía doente (devia ser macumba daquelazinha). 

 Uma hora depois, Madame Zora estendia-lhe um lenço de papel, onde Clarita assoou o nariz. Feliz da vida, Clarita entregou-lhe duas notas de cem reais, deixando o recinto com o coração cheio de esperança.

Três dias se passaram. Nada. 

No quarto dia, enquanto olhava a vitrine de um grande magazine, Clarita viu sua rival escolhendo lençóis e toalhas para seu enxoval. Ficou furiosa ! Mais ainda, ao ver Pablo pagar tudo com o seu cartão de crédito - e lembrou-se que ainda não tinham separado as contas. No décimo dia, a fatura do cartão chegou, e ela, como titular, teve que pagar a conta exorbitante do enxoval do seu ex-noivo com a periguete. 

Alguns dias depois, Clarita voltou à casa de Madame Zora, dizendo que queria o seu dinheiro de volta.

-Sua velha trambiqueira! Você  promete trazer a pessoa amada de volta em sete dias! Quinze dias já se passaram, e nada!  O bandido ficou noivo de outra, e ainda fez o enxoval Às minhas custas! Quero o meu dinheiro de volta!

Madame Zora, olhando-a através de seus olhinhos semicerrados, deu um sorriso irônico, e respondeu:

-É verdade. Eu prometo trazer a pessoa amada em sete dias. Mas pelo que posso perceber, ele não é mais a sua pessoa amada.



5 comentários:

  1. Delicioso!
    E Clarita nem desconfia da sorte que teve ... mesmo tendo de pagar o enxoval!

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  2. Viajei fui longe ,sonhei vi o filminho da Clarita,que acontece
    de verdade estas situações.AFelicidade está em nós,e as vezes não a reconhecemos.Parabéns um ótimo conto,Ana,Bjus\Flor*

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  3. kkkkkkkkkkkk
    Esse nem merecia as lágrimas dela. Deveria estar sorrindo por se livrar dele . Muito bom, Ana! Bjs.

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  4. Muito boa, Ana! Realmente "Madame Zora" acertou. Amado coisíssima nenhuma...
    Abraço,
    Jorge

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  5. ZORA NAO ACERTOU EM NADA ELA APENAS MOSTROU QUE ELE NAO ERA MAIS O AMADO.INDEPENDENTE, ELA PROMETEU E NÃO CUMPRIU DE TRAZER O AMADO DE VOLTA. ELA SE DEIXOU LEVAR PELO O RACIOCINO INTELIGENTE DA ZORA.FICANDO COM SEU DINHEIRO..KKKKKKKKKKKKKK

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